Dissecação de Veias hepáticas e Vias biliares, por Stephanie C. Q. R. Gómez.

INTRODUÇÃO

Compreender como o corpo humano funciona sempre foi do interesse da humanidade, mas foi apenas no renascimento que a prática de abrir cadáveres e estudá-los trouxe uma real noção dos mecanismos que compõem nosso organismo. Desde esse tempo, o uso de corpos humanos foi debatido quanto a sua utilidade e ética entre seus pensadores. Considerações sobre o impacto na clínica médica, como o distanciamento médico-paciente e o impacto psicológico nos estudantes estão entre as principais consequências negativas. Todavia, a aprendizagem adquirida e a maior compreensão da realização de procedimentos cirúrgicos estão entre os benefícios que essa prática proporciona, sendo necessário projetar medidas para mitigar os malefícios em detrimento de um corpo de profissionais da saúde mais habilitados. Assim, este estudo descritivo aborda um relato de experiência em um projeto de extensão que visa ensinar a prática da dissecação de estruturas anatômicas. Neste momento, a peça escolhida foi a visualização de um fígado para o estudo das veias hepáticas e vias biliares na região infra-hepática do órgão. Tendo como enfoque a experiência de uma acadêmica de medicina que realizou o processo e seu impacto na sua formação acadêmica e profissional.

Objetivo: dissecação de um fígado para a correta visualização das veias hepáticas e vias biliares na região infra hepática.

METODOLOGIA ou Relato de Experiência

O projeto de extensão de dissecação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) visa promover o desenvolvimento de técnicas práticas tanto para aqueles alunos que procuram seguir uma carreira cirúrgica, mas também aqueles que desejam conhecer melhor o corpo humano e suas especificidades. Abrangendo vários cursos da área da biologia e da saúde, o curso ocorre no Departamento de Ciências Fisiológicas e recebe até 3 integrantes por curso em seu projeto, com duração de no mínimo 1h por semana, totalizando no mínimo 60 horas representando três semestre da faculdade ou um ano e meio de curso. Todavia, o próprio aluno pode optar por completar essas horas em um ritmo mais acelerado e não há um máximo para sair do programa. Quando se entra no projeto, o aluno aprende algumas noções básicas de como se portar dentro do anatômico com equipamentos de proteção individual e sobre como evitar contaminação dentro do ambiente. Dentro do curso de medicina, como há aulas práticas de anatomia da primeira até a sétima fase, somos instruídos desde o começo sobre esses cuidados e não há a necessidade de passar por aulas teóricas sobre o assunto de novo. Além disso, consta na grade curricular de medicina a matéria de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental (TOCE) que nos ensina sobre os instrumentos cirúrgicos e como devem ser utilizados e na execução de exérese e suturas, portanto aqueles que entram no projeto passado essa matéria entram mais qualificados para o manuseio e preparação das peças. Por último, a higienização das peças após a utilização dos materiais, armazenação e método organizacional do laboratório é realizada no primeiro dia, assim como a discussão e definição de qual peça cada aluno deve ficar responsável. A peça descrita se tratava de um fígado que foi previamente retirado e preparado pela técnica de formolização pelos monitores. O preparo definitivo para completar o objetivo levou cerca de 12h30 espaçados em 4 dias de trabalho. Assim, o enfoque era a observação das veias hepáticas e o sistema biliar e para isso foi necessário retirar o excesso de tecido lipídico e nervoso que estava em volta, tirar grande parte do tecido conjuntivo que estava aderido aos vasos para garantir uma boa visualização da parede muscular das veias e artérias. Além disso, foi necessário tirar partes que ficaram retidas junto com o fígado, sendo essas o estômago, uma parte do baço e parte superior do diafragma para uma melhor visualização.

Fonte: Gómez SCQR, et al., (2024)

Vale ressaltar que os materiais utilizados foram da direita para esquerda da imagem abaixo: porta agulha Olsen-Hegar, tesoura íris, bisturi cabo n°3 com lâminas 21 e 24 , pinça de Adson e pinça anatômica.

Fonte: Gómez SCQR, et al., (2024)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a formação de um médico, o Conselho Nacional de Educação aprovou através do artigo 4° algumas competências e habilidades que devem ser contempladas, dentre elas a tomada de decisões, que seria “capacidade de tomar decisões visando eficácia e custo-efetividade”. No cotidiano, o médico é colocado à prova quando precisa realizar procedimentos e condutas de maneira pragmático e é justamento com o conhecimento ativo desenvolvido pela dissecação, que faz o indivíduo ter mais confiança, pois este consegue diferenciar os planos anatômicos e estruturas da região. Nessa mesma linha de raciocínio, o estudo por meio de dissecação agrega uma consolidação mais eficiente do aprendizado, pois é possível correlacionar com os casos clínicos a alterações visíveis nos cadáveres, como por exemplo câncer de pulmão, algum tipo de variações anatômicas, dentre outros. Além do que, como a prática não necessariamente coincide com a vida rotineira, estar atento a variações anatômicas e ter mais contato com equipamentos eletrônicos pode ser de grande utilidade na prática ambulatorial. Em um estudo transversal (3) , foi questionado a estudantes de medicina que realizavam a matéria de anatomia por meio da dissecação em que características segundo o preconizado pelo Conselho Nacional de Educação, mais se foi desenvolvido ao longo da disciplina. E surpreendendo muitos, 59,8% dos estudantes alegavam que permitia um aumento na atenção à saúde e 57,2% na capacitação de tomar decisões levando a concluir que a experiência contribuiu para a formação do perfil do profissional médico.

Ao focar mais na prática da visualização das veias biliares, o processo de dissecação com a remoção do tecido lipídico, nervoso e conjuntivo que envolvia as estruturas permitiu a clara identificação das paredes musculares das veias e artérias, bem como a visualização precisa do sistema biliar na região infra-hepática. Essa prática, demonstrou a complexidade das relações anatômicas hepáticas, reforçando a importância do domínio técnico para a correta diferenciação dos planos anatômicos durante procedimentos cirúrgicos. Além do que, as longas sessões de trabalho contribuíram significativamente para o desenvolvimento de habilidades motoras finas essenciais à prática médica, especialmente para procedimentos que exigem precisão.

Ao todo, a participação no projeto de extensão de dissecação revelou-se uma experiência transformadora que vai além do aprendizado técnico-anatômico, contribuindo para a formação de um profissional médico mais completo. A dedicação exigida fomentou qualidades essenciais como paciência, perseverança e atenção aos detalhes, atributos indispensáveis para um médico em qualquer especialidade. O contato direto com a anatomia humana promoveu uma compreensão mais profunda e tridimensional das estruturas, que dificilmente seria alcançada apenas com estudos teóricos ou modelos artificiais.

CONCLUSÃO

Podemos inferir, que a prática de dissecação se mostrou fundamental para o aprendizado das estruturas e utensílios de uso comum em UBS e centros cirúrgicos. Sendo necessário um estímulo maior para ampliar esse projeto há mais universitários que se interessem, assim como sua divulgação para o corpo curricular das universidades com centros voltados no setor da saúde. Já que é apenas explorando nossas deficiências que podemos aprimorar e evoluir para um melhor tratamento dentro da medicina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.Vista do DISSECAÇÃO E CAPACITAÇÃO DE HABILIDADES E COMPETÊNCIAS GERAIS NA FORMAÇÃO MÉDICA.

2Puerro MA de S, Franco ANL, Leal DTB, Custodio G de A, Silva GA da, Benício JM, et al. Curso de dissecação inguinal em cadáveres – um relato de experiência. Revista Eletrônica Acervo Saúde. 5 de março de 2020;(43):e2517..

3. Bueno ET, Souza ACD de, Pinto CER, Castro PVIP de, Sarmento PV der H, Siqueira EC. Relato de experiência – curso de Dissecação cadavérica da vascularização gastrointestinal pela Liga de Anatomia Humana Fróes de Fonseca e seus benefícios no estudo da anatomia pós-pandemia COVID-19. Revista Fluminense de Extensão Universitária. 2022 May 1;6–10.